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A Importância do Teatro do Oprimido na Atualidade

  • Aline Cotrim
  • 25 de out. de 2015
  • 5 min de leitura

O presente trabalho busca problematizar um questionamento que foi feito em uma apresentação sobre o Teatro Fórum, umas das “técnicas” do Teatro do Oprimido desenvolvido por Augusto Boal, que seria: “Qual é a importância do Teatro do Oprimido hoje? Isso já não está ultrapassado?”. Na compreensão dos integrantes do Projeto de Extensão da UFPel “Teatro do Oprimido na Comunidade- TOCO” a proposta de Boal só estará “ultrapassada” quando todas as opressões deixarem de existir, o que não acontece na atualidade.

As opressões sempre existiram em determinados meios ou grupos. O que vem alterando-se são algumas situações onde elas ocorrem. Estamos em um momento onde opressões são abordadas em vários meios e espaços educativos e estão em pauta para discussões, mas isso não quer dizer que elas estão sendo extintas, e sim que estamos mudando a maneira de lidar com elas. Da mesma maneira que as “técnicas” do Teatro do Oprimido foram desenvolvidas de acordo com a necessidade do período ditatorial em que foram desenvolvidas, a maioria na década de 60, Boal foi aprimorando cada “técnica” em um momento de sua vida, de uma forma em que ela representava as necessidades dos oprimidos. Onde estes, por meio das “técnicas” teatrais, se empoderam das situações para combater a opressão, mas sem se tornar opressor na cena, de maneira a levar esse empoderamento para a sua vida. Como Boal sempre dizia o Teatro do Oprimido é um ensaio para a realidade. Sendo assim, não tem como o Teatro do Oprimido ser ultrapassado, pois ele trata da vida e a vida está sempre se alterando e se moldando. O CTO Rio (Centro de Teatro do Oprimido) utiliza uma arvore para representar o Teatro do Oprimido onde as “técnicas” são os galhos que estão ampliando-se e moldando-se cada vez abrangendo um espaço maior.

Dentro do projeto TOCO estudamos o método que Boal desenvolveu. O projeto existe desde 2010 buscando fazer com que se envolvam com as “técnicas” adultos e adolescentes que participam das oficinas ministradas pelos estudantes de alguns Cursos da UFPel. Buscamos durante as oficinas refletir sobre as opressões que os participantes sofrem em diferentes contextos, no intuito de transformá-los em espect-atores. Cabe ressaltar que o termo espect-ator é uma expressão usada por Boal, onde o espectador tem o poder de entrar em cena e se colocar no lugar do ator oprimido e, uma vez agindo no papel do ator, tentar combater a opressão da cena, em consequência da própria realidade, de uma maneira onde ele não vai deixar–se oprimir, e também não se transformará no opressor. A ideia central é que o oprimido liberte-se da situação opressora.

No primeiro contato com os participantes das oficinas buscamos sempre valorizar os conhecimentos de cada integrante do grupo, focando na apresentação pessoal. Em algumas oficinas antes de começarmos com os trabalhos teatrais propriamente ditos, pedimos para as pessoas escreverem algum tipo de opressão que viveram ou presenciaram. Os alunos trouxeram opressões das mais diversas, como: questões de gênero, raciais e sociais.

Após este momento em que os alunos trazem suas experiências, busca-se formas de transformar as situações em cenas teatrais, para que possam ser discutidas no palco e experimentadas por todos. A proposta sempre busca dar oportunidade e voz ao participante, para torná-lo agente transformador da opressão. Conforme FREIRE:


O mundo não é. O mundo esta sendo. Como a subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que a dialética me relaciono, meu papel no mundo não é do que constata que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente (FREIRE, 2013. p. 74).


Em uma das oficinas analisadas para a escrita deste texto, onde a maior parte do grupo era composto por mulheres, aconteceram duas cenas que foram muito discutidas. Sendo uma delas apresentada em um espaço que representava uma sala de aula, onde a aluna chegava com uma roupa curta e o professor virava para a aluna e falava: “Deus é justo, mas essa sua saia”. Após a apresentação da cena, uma das mulheres disse que não via a cena teatral, e a situação em si, como uma opressão, pois ela sempre usava roupas curtas e se caso alguém fizesse um comentário desse tipo ela ignorava pois ela se sentia bem vestida assim. As outras mulheres começaram a problematizar que não era porque ela não via aquilo como uma opressão que aquela situação deixava de ser uma opressão e que a situação precisava ser discutida sim, pois por mais que ela se sentisse bem com a roupa que usava isso não dá o direito de outra pessoa ficar fazendo comentários sobre isso. Sendo assim, o que era claramente uma situação de opressão, as vezes pode passar desapercebido pois o oprimido banaliza a situação e age como se fosse algo comum.

A outra cena se passava em uma mesa de jantar onde os patrões chamavam a empregada para servir a comida e depois pediam para que ela se retirasse para que eles comessem. Então uma mulher negra disse que, quando ela era mais jovem ela tinha que esperar que os seus patrões comessem para que depois pudesse se alimentar com as sobras do almoço de seus patrões. Então na cena, ao invés de ela sair e deixar os patrões almoçarem primeiro, ela serviu a comida e sentou-se na mesa para comer com eles. Ela disse que se essa situação ocorresse agora ela agiria na vida real da mesma maneira que agiu na cena e não deixaria isso passar desapercebido, pois ela conseguia ver aquela situação do seu passado jovem como uma opressão que ainda pode acontecer.

Conforme observamos na atuação do grupo TOCO, o Teatro do Oprimido não está ultrapassado, pois por mais que suas “técnicas” tenham sido desenvolvidas há algum tempo atrás, em outro período, em outras situações, elas são totalmente atuais. Boal não desenvolveu um método fechado, mas sim algo que se insere em novos contextos. Pois nós vivemos ou presenciamos opressões a todo momento, algumas inclusive não percebemos, mas outras já sabemos como devemos nos posicionar. O Teatro do Oprimido nos mostra as opções e possibilidades para que possamos transformar o nosso modo de agir. Não partimos do pressuposto de que por intermédio do Teatro do Oprimido iremos sozinhos mudar o mundo e acabar com as opressões, mas sim que, por intermédio destas “técnicas”, vamos expor e explorar as situações de modo a sermos protagonistas das nossas vidas conquistando a nossa autonomia. Conforme FREIRE


“A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas.” (FREIRE, 2013. P. 105)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

_____________. O Arco-íris do Desejo: método Boal de teatro e terapia. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira. 1992

_____________. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1998.

CARVALHO, Diego Fogassi. Identidade e práxis teatral: identidades em criação na oficina de teatro na comunidade de Monte Bonito e na formação do grupo Você Sabe Quem Cia de Teatro. Pelotas. 2014. 43f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Teatro Licenciatura, Centro de Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2014

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

____________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais – o fichário de Viola Spolin. 2 ed. São Paulo, SP:

Perspectiva, 2006.


 
 
 

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